O silêncio é uma prática de cessar o sofrimento mental
- academiaresilienci
- 18 de jan. de 2023
- 5 min de leitura
Em meio à bagunça mental em que me encontrava, eu não conseguia enxergar que já conhecia as ferramentas que podiam me ajudar naquele momento. E que uma delas era simples, tão simples, que não podia ser negligenciada.

Fonte: Image by kinkate from Pixabay, 2023.
Nos textos anteriores, apresentei os conceitos de não-esforço e sabedoria prática e os passos que antecederam o entendimento de que é possível chegar ao esforço correto: compreensão correta; a prática do silêncio; a necessidade de pausa e a direção correta do esforço. Agora, vou falar mais sobre a prática do silêncio.
Antes de chegar a isso, o contexto era trágico: um turbilhão mental. Uma confusão tão grande, que eu sentava na frente do computador para trabalhar e simplesmente não entendia o que tinha feito.
Um dos sintomas da ansiedade é a procrastinação, causada por esse sofrimento mental de não conseguir entender, não conseguir focar no que realmente importa.
Em meio à bagunça mental em que me encontrava, eu não conseguia enxergar que já conhecia as ferramentas que podiam me ajudar naquele momento. Mas ao me embrenhar pela sabedoria prática de Aristóteles, fui tendo insights de como poderia sair dessa. E um insight, um super importante insight, surgiu assim, como uma epifania, um princípio de solução. Uma solução muito simples, tão simples, que não podia ser negligenciada.
Voltei a praticar silêncio.
E me trouxe os primeiros momentos felizes desde que eu tinha começado esse período ansioso. Sabe, uma felicidade que não depende de fatores externos, uma felicidade equilibrada e contínua, que você consegue criar e manter? É isso que o silêncio proporciona.
Silêncio é um vazio de expectativas. É um modo de manter a mente no presente e é o presente que verdadeiramente importa. O resto é só imaginação sobre o futuro, ou lembranças do passado. Se você consegue manter sua mente no presente durante um período de tempo todos os dias, a felicidade surgirá assim, naturalmente.
Eu lentamente ia alcançando mais compreensão. Só que ainda havia coisas a digerir. Essa compreensão me ajudou a retomar um pouco de concentração, mas meu corpo ainda levaria um tempo para processar o que eu estava experimentando. Certa manhã, acordei sofrendo com dores abdominais. Junto, veio uma dor aguda perto do estômago. Foram quatro dias de sofrimento, nos quais pensei que era uma bobagem, tipo câimbra, e que passaria. Mas no quarto dia, eu não conseguia mais comer, estava tão exausta que mal podia ir de um cômodo a outro e a dor piorava. Então, meu esposo me levou ao pronto socorro. Passei uma tarde inteira entre exames e medicação intravenosa. Voltei para casa com uma receita cheia de remédios para colite e na manhã seguinte começava o dia com sete medicações. Sete! Um absurdo de drogas e nem davam um barato legal...
Foram dias ruins, mesmo com medicação para dor, ela não ia embora. Eu acordava de manhã e olhava para minha cara amassada, inchada e com olheiras de defunto e me esforçava (ainda) para criar uma rotina matinal saudável. Mas, em meio à dor, eu buscava praticar o silêncio. Troquei as músicas barulhentas que andava ouvindo por mantras e passei a reservar breves períodos ao longo do dia para apenas sentar e contemplar, ouvindo os sons ao redor da casa e deixando-os passarem por minha mente, sem apego.
Uma nota de um de meus diários de campo, escrito na primeira vez que fiz um retiro de silêncio, no templo Taikanji, em 2016, me estimulou a reconectar o caminho do silêncio: “Me sinto completamente à vontade com o protocolo, o silêncio, o zazen, e mesmo o kinhin [meditação andando], que antes julgava estranho e impossível de praticar” [...] “No silêncio, desobrigados de falar, escutamos. Reconhecemos as pessoas por seus barulhos, andar, engolir, tossir, respirar”. Reconhecemos também os barulhos de nossa mente. Aprendemos a senti-los, aceitá-los e a deixá-los passar.
Sempre me senti à vontade com o silêncio. Era o melhor modo de sentir e fazer sentido, em um mundo tão barulhento. Minha família era muito barulhenta, minha mãe, italianona, sempre falando alto. E mesmo quando não falava, sua voz me censurava, repetindo-se em minha cabeça.
Aprendi a compreender mais pelo silêncio que pelas palavras. Tinha facilidade para entender as pessoas, mas não era fácil me comunicar. O silêncio sempre foi para mim, confortável e acolhedor.
O monge Thich Nhat Hanh escreveu vários livros sobre o zen e um deles dedicou ao silêncio. No silêncio, praticamos a quietude, o domar a mente, como quem doma um boi. Pois não adianta estar em um ambiente silencioso, precisamos silenciar a mente do barulho ensurdecedor ao qual ficamos viciados. “Quando nos livramos de nossas ideias, pensamentos e conceitos, abrimos espaço à nossa verdadeira mente” (Hanh, 2018, p. 44).
Eu começava a cultivar novamente o silêncio em minha mente e isso vinha, aos poucos, me fazendo sentir mais fluida, com menos esforço.
Mas, eu ainda me esforçava.
Agora preciso de uma pausa
Finalmente compreendi que precisava de uma pausa. Somente a pausa dos trtabalhos da tese não era suficiente, mas uma pausa mental, de autocobranças e de necessidade de resultados. Precisava cessar as preocupações relacionadas à tese, praticar o vazio de expectativas, o não-resultado, o não-esforço e o silêncio. Transmiti aos professores e à tutora, minha necessidade de não entregar algumas tarefas de disciplina. Foi a primeira vez na vida que pedi para não entregar tarefas. Senti que não havia avaliação no mundo que valesse minha saúde.
Paradoxalmente, a prática do não-esforço acabou gerando um esforço em não esforçar-se e assim, somatizei muitas coisas neste período até vir a tomar consciência de que ainda estava me esforçando. Eu precisava cessar completamente o esforço, para entender o que era me esforçar menos. Tinha que voltar a sentir o fluxo, como eu sentia quando praticava zazen regularmente e ayurveda, para fazer algo que me conduzisse a harmonizar, criar a paz, não apenas no sentido de minha paz interior, mas uma forma de agir pela virtude que criasse essa harmonia que naturalmente nos leva à paz.
Para mim, essa virtude começa pelo dana paramita: a doação. Dana é o primeiro de seis paramitas, também chamados as seis perfeições do caminho búdico: doação (generosidade); autodisciplina (ética); paciência (auto-domínio); perseverança (ação compassiva); meditação (estabilidade mental); sabedoria (prajna paramita) (Hanh, 2011) (Suzuki, 1994). Essas perfeições são práticas cotidianas que devem conduzir o caminho da iluminação pela ação virtuosa.
A ação virtuosa se sincroniza com o esforço correto.
No próximo post, vou falar mais sobre a ação virtuosa, trazida por Aristóteles, e como essa ideia se conecta à prática do esforço correto, unindo Aristóteles e o zen.
Referências
ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2005.
BEITER, R. et al. The prevalence and correlates of depression, anxiety, and stress in a sample of college students. Journal of Affective Disorders, Volume 173, 1 March 2015, Pages 90-96.
DE MASI, D. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.
GYATSO, Geshe Kelsang. O Voto Do Bodhisattva: um Guia Prático Para Ajudar os Outros. São Paulo: Editora Tharpa Brasil, 2015.
HANH, Thich Nhat. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2018.
HANH, Thich Nhat. Ação pacífica, coração aberto. São Francisco de Paula (RS): Editora Bodigaya, 2011.
MCKEOWN, Greg. Sem esforço: torne mais fácil o que é mais importante. Rio de Janeiro: Sextante, 2021.
MORGAN, Gareth. Imagens da organização. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002.
SUZUKI, Shunryu. Mente Zen, mente de principiante. São Paulo: Palas Athena, 1994.
TRINH, M. P.; Castillo, E. A. Practical wisdom as an adaptive algorithm for leadership: Integrating Eastern and Western perspectives to navigate complexity and uncertainty. Business Ethics, 29(S1), 45-64, 2020. https://doi.org/10.1111/beer.12299
TRUNGPA, C. As Quatro Nobres Verdades do Budismo e o Caminho da Libertação. São Paulo: Cultrix, 2013.






Que reflexão profunda sobre o poder do silêncio para cessar o sofrimento; além da meditação, qual exercício diário simples você sugere para integrar essa pausa mental no cotidiano agitado? Cordialmente <a href="https://jakarta.telkomuniversity.ac.id/en/college-glossary-part-1/">Telkom University Jakarta</a>