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Guerreira é quem faz guerra

  • academiaresilienci
  • 2 de set. de 2024
  • 3 min de leitura

Quem já olhou para o céu, assim, sem obrigação, sem pensar no tempo e no espaço, talvez tenha se perdido na imensidão azul, que tem cara de infinito. Mas a gente sabe mesmo o que é infinito?


Uma vez eu estava passeando com minha tia que é só uns 15 anos mais velha que eu e, por isso, tínhamos grande afinidade. Estávamos na praia, em uma formação de rochas em Laguna, a Pedra do Frade.


Nesta época eu estava doente de uma ausência de sentido e subi na grande Pedra do Frade para ver a borda do mar. Minha tia ficou embaixo, não queria se arriscar àquela altura, com o vento batendo forte.


Mas eu queria ver o infinito.


É engraçado como o ser humano mal é capaz de entender a finitude das coisas, mas dá nome a algumas coisas de infinito.


Infinito é algo que não tem fim. É diferente de eterno que não tem fim, mas também não tem começo.


O infinito surge, mas nunca acaba.


Talvez seja só uma palavra criada para dizer: ok, não temos como chegar até as bordas do universo, logo, vou chamar de infinito.


Como o fim pode realmente finalizar tudo? Como poderiam as bordas do universo serem o fim dele? Se eu pudesse chegar lá, talvez, debruçada na borda, pudesse olhar para o além e ver o que tem depois do infinito.


Se o limite existe, além dos limites passa a ser o novo infinito.


E o infinito estava lá, sem bordas. Um pouco mais abaixo, o mar batia furiosamente nas rochas da praia, num barulho ensurdecedor.

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Admirada, fiquei vários minutos ali, não porque a cena era bonita, mas porque me fazia sentir.


A água batendo nas rochas, recuando e avançando, como em um campo de batalha sem fim nem começo, me fazia sentir uma emoção que até hoje não sei dizer o que era.

Só sei que a batalha entre a água e as rochas me fazia sentir-me viva.


Nos vários minutos que fiquei ali, eu não me mexi. Minha tia gritava algo lá embaixo, mas o barulho do mar encobria. Eu estava enebriada pela sensação.


Sabia que teria de descer, mas não queria. Sem saber tinha encontrado emoções em um encontro do mar em fúria contra as rochas da costa.


Eu queria ficar naquela batalha infinita, pois ela fazia sentido pra mim. Me fazia sentir. Sempre gostei da luta.


Mas tive de descer. Com um suspiro, desci, contrafeita. Tive que retomar a caminhada monótona até o carro e voltar para casa. Minha tia sabia que eu não sabia falar de sentimentos, mas insistiu que eu podia lhe contar o que estava acontecendo.


- Eu sempre gostei da batalha - disse.

- Mas ter paz é melhor - falou minha tia. - Toda batalha acaba, porque ninguém consegue brigar o tempo todo.


Olhei para ela, com sua sabedoria repentina. Aquilo fazia sentido, mas eu estava longe de entender.


Hoje, sei que ela tinha razão, porque parei de lutar. Parei de sentir emoção apenas na batalha e hoje me revolta ouvir chamar-me de "guerreira", de forma descuidada e pejorativa.


Guerreira é quem faz guerra. E eu entendi que a emoção verdadeira não estava no sofrimento da guerra, mas na capacidade de criar. Criar vida, criar paz, criar amor.

Guerra não cria, destrói.


Tive a chance de voltar àquela pedra, anos depois. Subi no mesmo lugar, com o mesmo vento, o mesmo mar revolto açoitando infinitamente as pedras.


E senti novamente aquela emoção. Mas algo estava diferente. Porque quando desci, não mais queria continuar aquela batalha infinita. Ela tinha acabado, encontrou suas bordas e partiu para outro infinito.


Se era mesmo infinito, se tinha bordas, não me importava mais. Só sei que era maior que apenas aquelas ondas batendo. Mais profundo, mais amplo.


E o novo infinito era como o mar, nem sempre calmo, nem sempre revolto, sendo simplesmente mar.

 
 
 

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