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A prática do não-esforço

  • academiaresilienci
  • 11 de jan. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: 14 de jan. de 2023

O que fazer quando esforçar-se não é suficiente


Em algum momento da vida, você já deve ter passado por isso: um ambiente de cobranças, tenso, duro e frio, no qual você se sente uma pessoa espremida, mas se esforça para corresponder às expectativas, para ser aceita e pertencer àquele ambiente. Parece um local de trabalho? É, mas pode ser sua família ou qualquer outro ambiente no qual você sinta, mesmo que indiretamente que deve sempre se esforçar para pertencer.


Também pode ser a sua própria mente lhe ditando que você deve fazer mais, ser melhor, esforçar-se ao máximo.

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Fonte: Image by 🌼Christel🌼 from Pixabay, 2023.


A valorização do esforço é um pensamento que deriva do puritanismo religioso (Mckeown, 2021), da raiz econômica-industrial do pensamento humano (De Masi, 2000) e da mecanização do trabalho humano, transformando-o em uma “máquina de produzir” (Morgan, 2002) e mostra como somos suscetíveis à industrialização dos nossos corpos e mentes.


Felizmente, a globalização e o livre acesso a informações trouxeram formas diferentes de pensar, com raízes mais distanciadas das ideias industriais. O intelecto começou a ser mais valorizado, em vez do pensamento mecânico. Nesse cenário de transformações, o padrão de consumo, o lucro e o capital passaram a ser questionados, afinal, não trouxeram o bem-estar e a felicidade que a publicidade prometia. E outras ideias tomaram força, pois ultrapassaram a normalidade capitalista: o pensamento colaborativo, de não competição, o trabalho pelo bem-estar, acima do lucro, e o desenvolvimento humano, acima da produtividade financeira. De Masi (2000, p. 272), indica que esse novo modo de trabalho “deve ser, obviamente, ensinado não mais como uma obrigação opressora, mas sobretudo como um prazer criativo estimulante”.


Considerar essa mudança demanda repensar o que a sociedade de consumo nos ofereceu em termos de valores até agora e transitar da valorização do egoísmo, hierarquia e agressividade para a valorização do diálogo, da escuta, solidariedade e criatividade. E nessa perspectiva, surgem outros valores, que passam a ser relacionados ao trabalho, “intelectualização, emotividade, estética, subjetividade, confiança, hospitalidade, feminilização, qualidade de vida, desestruturação do tempo e do espaço e virtualidade” (De Masi, 2000, p. 284).


Repensamos inclusive, o valor do esforço a todo custo.


Se esforçar mais, trabalhar 24h, dois estágios, oito disciplinas por semestre e um TCC exaustivo a ponto de causar doenças somáticas - incluindo gastrite - foi minha realidade na graduação. Já no mestrado, tinha dois empregos, ficava imersa na análise de publicações e resultados de entrevistas sem descanso, negligenciando minhas emoções a ponto de entrar em depressão.


Enquanto trabalhava no mercado, esforçava-me tanto que cheguei a fazer 50 horas extras em um mês e fui advertida pela gestora do meu setor que devia pegar mais leve. E no doutorado, minha autocobrança por mergulhar profundamente em cada tópico que julgava importante e o objetivo de tornar isso parte da minha transição de carreira, me levou à ansiedade.


Faço Doutorado na Engenharia e Gestão do Conhecimento, na Universidade Federal de Santa Catarina e o caminho ainda não terminou, pois minha meta no doutorado ainda é executá-lo de forma saudável e vou buscá-la até o fim.


Por esse motivo, em certo momento da jornada, comecei a me perguntar de que forma eu poderia aliar meu crescimento acadêmico com meu crescimento pessoal. De que forma poderia me livrar da autocobrança, mas continuar produzindo sem ficar doente cada vez que preciso entregar um artigo?


Aprendi alguma coisa, aqui e ali, mas acredito que a lição final veio quando comecei a estudar Sabedoria Prática. Foi quando comecei a me perguntar: E se isso fosse fácil? E se eu pudesse usar menos esforço para fazer uma disciplina, escrever e apresentar artigos? Existe outra forma de fazer isso?


Inverter e não-esforçar-se

Comecei o estudo de Sabedoria Prática, meio sem querer. Eu já não precisava de créditos e estava atrasada com minha tese. Não queria, nem precisava me esforçar por mais nada, mas quis ajudar uma amiga a manter a disciplina e me matriculei. Estranhamente, a postura do "não preciso me esforçar" me trouxe reflexões mais profundas e mais significativas sobre sabedoria prática do que se eu tivesse entrado na disciplina no modo convencional: com tudo, lendo tudo, fazendo tudo, estudando 24h.

Resolvi fazer o contrário, inverter, como diz o professor Greg Mckeown, no livro “Sem esforço: torne mais fácil o que é mais importante”. Inverter é olhar para o problema e pensar nele de forma oposta, buscando simplificar seu esforço. Diante dele, é se perguntar: “E se isso fosse fácil?” (Mckeown, 2021).


A pergunta instiga a pessoa a inverter seu ponto de vista, admitindo que existem outros modos de resolver aquilo. E pelo menos um deles é bem simples de modo que não te deixe doente, exausta fisicamente e mentalmente debilitada. Resolvi então, praticar o “sem esforço”, sem medo de causar frustrações.


A disciplina de Sabedoria Prática tornou-se meu laboratório e todo meu conhecimento passou a ser colocado em teste em favor da prática da sabedoria. Afinal, eu estava infeliz e ansiosa com minha tese e o principal indicador de sabedoria prática é a felicidade, a eudamonia. Aristóteles (2005, p. 173) diz que a “felicidade consiste em viver e em ser ativo, e a atividade do homem bom é virtuosa e aprazível em si mesma”. Logo, a prática da virtude, dentro dos preceitos da sabedoria prática poderiam me ajudar a recuperar a felicidade.


Quase de imediato entendi que Aristóteles e sua ideia de sabedoria prática tem uma conexão estranhamente próxima com a filosofia zen-Budista, que pratico há alguns anos. Meu esposo, monge e filósofo, corroborou esta ideia e me indicou literaturas para me embasar.


Mas só entender não era suficiente, eu precisava praticar.


O esforço de não esforçar-se

Nas primeiras aulas de Sabedoria Prática, já percebi que girar a chave não seria fácil. Confesso que, a princípio, fiquei resistente sobre não-esforçar-se, afinal, parecia preguiça, desleixo.


A principal dificuldade que encontrei foi justamente desligar-me da cultura de produtividade que costuma solucionar problemas com mais esforço. Tanto na universidade, quanto no mercado de trabalho essa cultura é massacrante. Na verdade, até mesmo na vida pessoal. Já ouvi mães reclamando que não conseguem se desligar da ideia de que deviam se esforçar mais por seus filhos, mesmo estando exaustas!


E nem mesmo a exaustão parece ser um sinal suficiente para que se deixe o esforço extremo. Eu, há meses vinha tentando me esforçar ainda mais e não vinha rendendo bem. Além disso, a ansiedade me deixava tão confusa que eu me sentia dando loops infinitos sem sair do lugar. Insisti na disciplina para tentar encontrar um novo modo de sair do sofrimento da tese, pois eu já não estava conseguindo resultados com os recursos que tinha.


Enfim, depois de três meses de pesquisa, escrevi um artigo que concentrava meus não-esforços e no diagrama abaixo tem um resumo dos meus resultados.

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Os passos para o não-esforço são a compreensão correta, a prática do silêncio, a necessidade de pausa e a direção correta do esforço. Mas não vou aprofundá-los agora, vamos ver isso em outro post.


Acompanhe o blog para conhecer mais a fundo cada um desses passos.


Referências

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2005.


DE MASI, D. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.


MCKEOWN, Greg. Sem esforço: torne mais fácil o que é mais importante. Rio de Janeiro: Sextante, 2021.


MORGAN, Gareth. Imagens da organização. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002.



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