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Os excessos são uma prisão que te impede de atingir seu maior potencial

  • academiaresilienci
  • 1 de fev. de 2023
  • 7 min de leitura

Nosso cérebro é muito sábio. Ele valoriza sempre o que dá menos esforço. Isso se chama princípio da facilidade cognitiva. Para nossa biologia, isso é muito útil, porque nos ajuda a poupar energia para usá-la nos momentos que precisamos. O esforço extremo vai contra a nossa natureza.

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Fonte: pexels-Anna, Pixabay, 2023.


A imagem de Buda que vemos hoje por todos os lados, sentado em meditação, é um exemplo perfeito do não-esforço. Ele não se esforça para meditar, apenas se senta. Não se esforça para focar a mente, apenas respira e deixa os pensamentos irem embora, sem forçá-los a se calarem. quando se senta para meditar, a pessoa assume um ciclo virtuoso de criar calma dentro de si, pois essa calma vai circular por sua vida, sem esforço.


Para Aristóteles (2005), nos tornamos virtuosos ao agir e praticar a virtude, e para levar uma vida virtuosa é necessário esforço. Mas não um esforço extremo, um esforço sem intenção de ser extremo, em um meio-termo, que é equidistante de ambos extremos.


Dentro dos preceitos budistas, esforço correto é um dos oito passos do caminho óctuplo e a orientação dos votos do bodhisatva, afinal, não adianta o esforço se for direcionado para o lado errado. Da mesma forma, o esforçar-se demais, assim como o excesso de erudição, de ação, de meditação, ou se qualquer outra coisa não conduzem à iluminação. A prática é libertar-se de qualquer excesso (Suzuki, 1994). Suzuki (1994) conta que há pessoas que não entendem que zazen deve ser praticado sem se esperar um ganho, sem mentalizar nada e sem objetivo algum, e questionam o que significa isso, ao que ele responde “esforço para libertar nossa prática de tudo o que é demais” (Suzuki, 1994, p. 58). Suzuki (1994, p. 57) diz que a expectativa de um determinado resultado é uma prisão, um esforço enganoso. mas “direcionar o esforço do resultado para o não-resultado quer dizer libertar-se dos resultados desnecessários e maus do esforço”.


Esta é uma dificuldade a ser pensada no mercado de trabalho. Como trabalhamos com projetos e planejamentos, estamos sempre na necessidade de controlar, de mensurar e qualificar tudo. Praticar sem objetivo algum não é possível no ambiente corporativo, mas este é um pensamento importante para exercitar a inversão (Mckeown, 2021). Por exemplo, quando penso em um projeto científico e suas etapas, por vezes, exaustivas, sob a ótica do “e se fosse fácil?”, me transfiro imediatamente para um ambiente mais zen, me sinto flutuando em criatividade. E chego a uma conclusão: o planejamento, cronograma, objetivos e metas continuam, mas não preciso vê-los como uma guilhotina, não preciso chamar os prazos de “deadline” (chamar de “linha da morte” um prazo final é algo extremamente negativo). Assim, consigo pensar de forma mais ampla e sentir o não-esforço acontecendo em um projeto, por mais amarrado, quadrado e cartesiano que ele seja.


O não-esforço aparece no sutra Prajnaparamita, também conhecido como Maka Hannya Haramitta Shingyô, traduzido como Coração da Grande Sabedoria Perfeita, ou Sutra do Coração. Porque o Prajnaparamita é um ensinamento da bodhisatva Kanon, também chamada de Avalokitesvara, a Buda da compaixão, que explica a seu amigo Shariputra que vazio é forma e forma é vazio. É um pouco estranho explicar, pois é uma visão que se deve sentir. Quanto mais falamos sobre ela, intelectualmente, menos sentido ela faz para o mundo em que vivemos, porque precisamos de formas e de dar nome às formas (Suzuki, 1994). E o sutra apresenta a visão de que a forma é só um vazio ao qual se deu nome, logo, só é alguma coisa, porque alguém deu um nome a ela e chamou de “coisa”. Sem isso, é nada. E por ser nada, não há motivo para segui-lo, se alimentar dele, torná-lo referência em sua vida, ou brigar por ele. É inútil e desperdiça a grande capacidade humana da compaixão.


Quando sentimos as palavras do sutra Prajnaparamita, fica mais fácil compreender o não-esforço e como ele se conecta à sabedoria prática: “devido à sabedoria completa. Coração-mente sem obstáculos. Sem obstáculos, logo sem medo.” (trecho oral recitado em templos zen-Budistas que adotam o sutra traduzido). O sutra descreve a perfeição da sabedoria como “as asas de um pássaro que pode levar você muito longe” e conduzir à realização das outras perfeições (Hanh, 2011, p. 317).


O coração-mente é uma conexão intrínseca, inseparável no zen. Não há como entender o não-esforço se não entendermos, pelo menos, o princípio do vazio que o Prajnaparamita ensina. É nesse meio, nesse contexto acolhedor, vazio, sem forma, sem cheiro, sem delusões, sem medo, sensação, diferenciação, conceituação, conhecimento.


Sim, sem conhecimento, mas também sem ignorância. Ou seja, o não-esforço é um fluxo que não pode ser definido, nem sentido, é um caminho do meio. A pessoa não sabe que está nele, apenas percebe vagamente que talvez esteja, pois no momento que der nome a essa percepção, ela deixará de existir.


Abstrato? Sim e não. Abstrato e não-abstrato. Eu avisei que era difícil de explicar. Sentir talvez seja mais fácil, mas não garante que será correto, porque também o correto disso não existe, assim como o incorreto inexiste. Então, melhor partir para a finalidade.


Eu falei de dana paramita, a prática da doação e que essa é uma das seis perfeições. É a prática da ação virtuosa, em benefício de todos os seres. Quem pensa que meditar e ser plena é o objetivo do zen, está completamente equivocada. A verdade é que objetivo não tem, finalidade nenhuma existe, mas o caminho da iluminação passa pela prática das seis perfeições e doação é, talvez, a mais mais fácil delas, por isso é a primeira.


Esta prática exige esforço, então, o cuidado para que não seja um esforço extremado é constante, afinal, quando você vê o sofrimento, você busca cessá-lo e isso pode levar a uma necessidade constante de ações e pode descambar facilmente para a ação extrema. Mas é a compaixão posta em prática (Hanh, 2011), que abre caminho para as outras perfeições.


A compreensão da compaixão é uma prática diária. Percebo que muitos intelectuais da atualidade tem fortes influências budistas, mas poucos realmente compreendem o Prajnaparamita, ou o sentido do dana paramita. Eu me incluo entre essas pessoas, pois enxergo minha limitações. Ainda acredito que precisamos passar pelas identidades, para depois abandoná-las. Mas converso com monges, em especial meu esposo, e percebo minhas limitações nessa percepção. Percebo em vários intelectuais um caminho sadio para a compreensão e disseminação desta terceira visão, mas não sua prática. Ou seja, a academia está bem longe da sabedoria prática. Ainda estão presos demais ao intelecto e só se pode aprender compaixão praticando, não pensando sobre (Suzuki, 1994).


A partir desta compreensão, a prática do não-esforço se tornou essencial para assimilar a sabedoria prática da forma mais completa possível. A primeira coisa foi admitir que eu estava em uma crise de ansiedade, com intervalos de sintomas depressivos e entender que esse quadro me deixava confusa em relação a tudo o que produzia (Beck, 2012). O resultado é que eu me esforçava demais para obter poucos resultados bons. É como ser Sísifo, mover uma pedra montanha acima durante o dia, para à noite a pedra rolar para o vale novamente e lá vai Sísifo mover novamente a pedra.


Ao admitir que estava em crise, o que veio depois foi uma sensação de derrota. É difícil para mim admitir uma derrota e meu corpo somatizou isso em forma de doenças. Outro grande pequeno passo em direção à sabedoria prática pelo não-esforço foi, finalmente, conseguir dizer à minha orientadora que eu estava com dificuldades em relação à minha tese, por conta de problemas na minha saúde emocional. Eu sempre fui muito dura comigo em relação a não externar emoções que pudessem levar as pessoas a pensarem em mim como uma pessoa fraca, ou burra. Há algum tempo, percebo que isso em si é uma fraqueza e busco ser mais sincera em relação a minhas emoções. E finalmente, consegui dizer que estava com dificuldades emocionais e que isso impactava minha produtividade. Revelei que tive uma crise de pânico diante do arquivo da minha tese. Fui ouvida com toda a abertura por minha orientadora e, pasmem(!): não morri! Pelo contrário, me senti bem e acolhida. Não mais fraca, nem mais burra, mas, mais livre. Ela me disse para viajar, esquecer a tese até que ela avaliasse meu progresso até ali.


E foi o que fiz, tirei umas férias de duas semanas, viajei, dei uma festa, fiz compras, curti meu esposo, joguei conversa fora com minha irmã, pratiquei muito o não-esforço e comecei até a ensinar a prática. E no final de tudo, a ansiedade ainda estava lá, mas eu sentia que a dominava um pouco mais. Sentia que novamente podia sentar para meditar e entrar no fluxo, como antes. E esse é um medidor importante da minha saúde mental.


No auge da ansiedade, eu não conseguia sentar para meditar. Ficava irritada só de tentar. Há meses não vinha conseguindo acompanhar meu esposo monge na sangha, embora continuasse auxiliando-o nas tarefas. Quis ir para o templo de meu sensei, monge Enjo, em Pedra Bela, mas me autocensurava: “lá não tem internet, como você vai trabalhar?” Sentia-me desconectada do zen. Desconectada da tese. Desconectada do mundo.


Mas então, esses três meses me obrigaram a não-esforçar-me. A dar um tempo. Assumi como missão. E as doenças somáticas mostraram o quanto foi difícil. Mas eu já estava exausta de continuar me esforçando, então, precisava inverter. Precisava adotar o que Greg Mckeown (2021, p. 30) diz sobre o inverter: “significa aprender a resolver problemas num estado de foco, clareza e calma. Significa ficar bom em fazer as coisas avançarem investindo menos esforço”. É um estado em que você se sente descansada fisicamente, emocionalmente aliviada e mentalmente energizada. Foco no que é essencial, mente presente, atenta e capaz de fazer com facilidade, alegria e disposição o que precisa fazer, deixando o resto no cesto das coisas não importantes.


Só assim você fica disponível e com energia para atingir seu máximo potencial.

A prática das perfeições não tem resultado se feita com esforço árduo, mas se há “energia da compaixão” e “uma vez que o amor esteja presente em seu coração, você não precisa fazer nada, pode praticar os treinamento da mente atenta com perfeição, muito facilmente, sem nenhum esforço” (Hanh, 2011, p. 225).


No próximo texto, vou falar mais sobre compaixão e autocompaixão. Acompanhe!




Referências

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2005.


BECK, Aaron. Terapia Cognitiva da Depressão. São Paulo: Artmed, 2012.


HANH, Thich Nhat. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2018.


MCKEOWN, Greg. Sem esforço: torne mais fácil o que é mais importante. Rio de Janeiro: Sextante, 2021.


SUZUKI, Shunryu. Mente Zen, mente de principiante. São Paulo: Palas Athena, 1994.

 
 
 

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