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Antes de praticar o não-esforço, é preciso esvaziar expectativas

  • academiaresilienci
  • 14 de jan. de 2023
  • 7 min de leitura

Por que esforçar-se sem compreender o real motivo é a receita para o desastre


Não foi natural entender que eu estava me excedendo. Para mim era natural virar noites para entregar artigos, deixar alimentação e saúde de lado para corresponder a expectativas, criar apresentações excessivamente complexas e bem elaboradas.

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Fonte: Image by Engin Akyurt from Pixabay, 2023.


No último post eu contei como foi minha compreensão de que não era saudável se esforçar ao extremo e que se eu quisesse realmente avançar e dominar minha ansiedade, devia aprender a não-esforçar-me. Se você não leu, o link está aqui.


Então, com a sabedoria prática, avancei um passo muito importante. Tudo começou quando, conversando com a tutora da disciplina, sobre a ansiedade que eu vinha vivenciando, percebi que não estava sendo paciente comigo, não estava aceitando o fato de que confusão mental e procrastinação eram sintomas ansiosos e que era preciso fazer não mais, só que diferente, para melhorar.


Até então, eu lidava com isso de forma muito dura: produza mais, se esforce mais e você deixará de ser ansiosa. Evidente que não estava funcionando e ali, naquela conversa, entendi por quê: eu precisava admitir que estava doente; e lidar com isso.

Precisava da compreensão correta sobre o problema que eu tinha criado para mim mesma.


Foi como levar uma surra de mim mesma. Eu treino Karatê e nunca saí tão derrotada de uma luta, posso garantir. A expectativa de que ansiedade era um problema sério e não seria resolvido da noite para o dia me deixava ainda mais frustrada. Passei os quatro dias seguintes imersa em uma crise depressiva, admitindo pela primeira vez, desde que comecei o doutorado, que eu não tinha condições de terminar a tese. Não, se continuasse assim.

Fundo do poço geral. Talvez o Karatê explique: eu nunca entrego a luta, nunca desisto. Sempre crio novas estratégias e continuo, mesmo às custas de suor, lágrimas e um rastro de sangue por onde eu passo. Eu nunca na vida havia praticado o não-esforço.


Faz alguns anos, tenho treinado a arte de desistir. Muito difícil para alguém que luta, aceitar que desistir de lutar é algo saudável. Na verdade é a atitude mais saudável que podemos tomar. Acabei entendendo que sou perfeccionista e que minha vivência na infância, cercada por uma família de mulheres-macho, foi fundamental para essa característica. Minhas duas irmãs também são perfeccionistas e ambas lidam com problemas sérios relacionados ao Transtorno de Ansiedade. É bastante sistêmico em nossa casa.


Essa coisa que chamam de elogio, “mulher guerreira” é uma carga muito perigosa e cansativa de se carregar. Acaba tornando as mulheres exaustas e doentes, pois lutar não é e nem deveria ser visto como um elogio.


Então, nessa busca de desistir, eu já tinha começado a praticar o que chamo de “frustrar expectativas”, ou seja, se não preciso fazer uma apresentação para uma aula, ela não será feita, mesmo que todos os colegas assim o façam. Se eu percebia que não daria conta de um artigo no prazo, passava a pedir mais prazo em vez de matar horas de sono e de saúde para terminar a tempo.


Então, estava aplicando o esforço correto, de alguma forma, mas ainda faltava algo.


Vazio de expectativas


Se o meu problema com a ansiedade era que minha expectativa de não saber quanto tempo levaria para superá-la, era necessário zerar as expectativas. Minhas e de outros. Zerar expectativas não significa não ter metas ou objetivos, mas desapegar-se deles. Parece difícil, a princípio, e foi, realmente. Mas o primeiro passo é cessar todos os movimentos. Parar mesmo. Sei que parece radical, mas é a única forma de começar a compreender o que está acontecendo consigo e porque os esforços não estão dando resultados.

Chamei minha orientadora para uma conversa franca e ela sugeriu que eu descansasse mesmo. E eu levei a sugestão bastante a sério. Passei vários dias fazendo apenas o que me dava prazer, trabalho voluntário, escrita criativa, fiz terapia e brinquei com meu cachorro.

Lembra que eu disse que tinha aprendido a frustrar a expectativa das pessoas e fazer só o necessário das coisas? Esse foi o primeiro passo para zerar tudo. Afinal, quem mais cobra expectativas geralmente somos nós, de nós mesmas. Julgamos nosso desempenho o tempo todo, para não nos sentirmos inferiores e isso acaba minando todo o esforço que fazemos para o caminho correto.


Estamos tão ocupadas em atendes nossas próprias surreais expectativas, que esquecemos de perguntar se elas existem mesmo. E, geralmente, só existem em nossa mente, ou seja, são ilusórias.


Na filosofia zen, um dos preceitos mais comentados é o “não julgar” (Gyatso, 2015). Não julgar tudo e qualquer coisa, situação ou pessoa. Suzuki (1994, p. 57) diz que a expectativa de um determinado resultado é uma prisão, um esforço enganoso. Então, zerar expectativas é entender que as coisas são como são, não como você imagina, na sua ilusão, que deveriam ser.

Aceitar isso é reduzir o sofrimento.


Sabedoria prática e zen-Budismo


Com o avanço dos estudos, fui percebendo que a literatura e os estudos sobre sabedoria prática estavam bastante sincronizados com a forma como penso. Mesmo lendo pouco, eu conseguia deduzir facilmente o contexto da sabedoria prática, porque tudo se sincronizava magicamente, sem esforço, simplesmente fluía com o conhecimento que eu já trazia comigo, especialmente sobre zen-Budismo. E então comecei a refletir sobre o que, de tudo o que aprendi, poderia me ajudar com a ansiedade e seus sintomas.

Aristóteles parece que escreveu na biblioteca da minha casa, pois “Ética a Nicômaco” é uma roupa fácil de vestir. Eu já tinha me identificado ao ler sobre phronesis no livro “The Wise Company”, de Nonaka e Takeuchi, o que me levou a vários cafés filosóficos com meu esposo, filósofo. E quando entendi a sabedoria prática como uma ação sem esforço, natural e com facilidade, adotei Aristóteles definitivamente como um membro recorrente em nosso café.


Impressiona a forma como Aristóteles se conecta a outros pensadores, em especial os orientais, alguns dos quais pensaram pelo mundo muitos anos antes dele. Aristóteles e os primeiros pensadores chineses compartilham muitas crenças em relação à sabedoria prática.


Primeiro, eles veem a natureza humana como inerentemente social e inserida em um contexto, e a sabedoria prática como agindo sem esforço, naturalmente e com facilidade. Em segundo lugar, eles compartilham que a sabedoria prática só pode ser adquirida praticando rigorosamente e aprendendo com a experiência. E enfim, eles afirmam que a sabedoria prática é um modo de ser, no sentido de que integra aspectos cognitivos, afetivos e comportamentais de um ser humano de forma holística e cria uma harmonia entre os aspectos internos e externos de um agente moral (Trinh; Castillo, 2020).


A harmonia pode ser vista como o caminho da paz, na medida em que deixamos de criar problemas para nós e para os outros (Trungpa, 2013). Assim, paz não é busca do prazer, mas sim o que Aristóteles (2005) fala sobre evitar a maldade e procurar ser bom, o que é corroborado pelos preceitos budistas, no voto do bodhisatva: evitar o mal e praticar o bem (Gyatso, 2015).


Esse é o sentido da liberdade dos vícios e da prática da virtude, como Aristóteles defende. O não-esforço não é aqui um aval para a preguiça, mas um direcionamento do esforço para o caminho da virtude. O esforço para a virtude é algo que beneficia a si, mas é próprio para beneficiar os outros, para que, pelo bem, possamos ser amigos de nós mesmos e dos outros. Esse é o caminho da felicidade, pois está na natureza humana o viver em sociedade (Aristóteles, 2005).


No entanto esse esforço pela virtude não deve ser um sofrimento. Aristóteles (2005) enfatiza que o esforço mal aplicado, em busca de gerar apenas recreação e divertimento é coisa tola. Portanto, devemos buscar o meio-termo, que se assemelha ao que os budistas chamam de “caminho do meio”.


O Budismo traz, dentre seus ensinamentos, o desapego, inclusive do controle, para deixar a vida fluir sem extremos, pelo “caminho do meio” (Trungpa, 2013), deixar os acontecimentos fluírem, sem forçar os movimentos e sem impedi-los. No zen, o não agir, largar mão, é uma ausência de reação aos estímulos exteriores e é essa a prática do “apenas sentar-se”, como se traduz a prática do zazen.


No zazen, o praticante senta-se em uma almofada (zafu), com as pernas em lótus e a coluna ereta e apenas respira, deixando os pensamentos fluírem e sumirem naturalmente, sem se apegar a qualquer acontecimento externo, ou interno. Não é exatamente uma meditação, pois meditar é uma palavra que provém de gom-lam, sendo que gom significa meditar, “pensar a respeito”. Na tradição não-teísta, gom significa apenas meditação e lam, caminho (Trungpa, 2013). O zazen é apenas sentar-se e respirar, contemplando o vazio (Suzuki, 1994).


Trungpa (2013) defende que a meditação, seja no sentido de pensar, seja no sentido de contemplar, é o princípio do caminho para se aproximar do estilo iluminado, e se afastar do estilo neurótico. O mundo onde estamos inseridos cultiva a ansiedade em nós e no tempo das coisas. Mas, quando observada “de fora”, ou “do alto”, em uma prática meditativa, a bolha da ansiedade é ridícula e sem sentido. Portanto, a única forma de trabalhar a ansiedade gerada externamente é a prática da meditação, da não-ação, do zazen, da shamata (Trungpa, 2013) (Hanh, 2011).


Suzuki (1994, p. 115) alerta que “a prática do zazen e a atividade diária são uma única coisa”. Ou seja, zazen não é só a prática sentada, mas o ato de estar presente em cada tarefa cotidiana, seja ela trivial ou complexa. Entender isso leva à compreensão correta e ao entendimento do não-esforço, por consequência. A tarefa está lá, precisa ser feita, vou lá e faço, sem pensar, sem reagir, sem julgar. Se estou com fome, como, se estou com sono, durmo. Se precisa lavar a louça, lavo. Nada muito complicado.


Na filosofia oriental, o padrão mais alto de ser bom é o ideal espiritual de wuwei, traduzido como “não-ação”, mas melhor entendido como agir sem esforço e espontaneamente em perfeita harmonia com um padrão normativo e, assim, adquirir uma eficácia quase mágica em mover-se o mundo e atrair as pessoas para si. No Taoísmo, refere-se ao estado de espírito relaxado dos praticantes quando seguem o fluxo da natureza. Uma harmonia entre a forma externa e o estado interno (Trinh; Castillo, 2020).


E aqui, a palavra harmonia surge novamente, em um sentido de paz.


No próximo post, seguiremos na compreensão do não-esforço. Vamos entender porque a pausa é tão importante para o vazio de expectativas e para a compreensão correta, do problema e da solução. Acompanhe.



Referências

ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2005.


DE MASI, D. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000.


GYATSO, Geshe Kelsang. O Voto Do Bodhisattva: um Guia Prático Para Ajudar os Outros. São Paulo: Editora Tharpa Brasil, 2015.


HANH, Thich Nhat. Silêncio: o poder da quietude em um mundo barulhento. Rio de Janeiro: HarperCollins, 2018.


HANH, Thich Nhat. Ação pacífica, coração aberto. São Francisco de Paula (RS): Editora Bodigaya, 2011.


MCKEOWN, Greg. Sem esforço: torne mais fácil o que é mais importante. Rio de Janeiro: Sextante, 2021.


MORGAN, Gareth. Imagens da organização. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2002.


SUZUKI, Shunryu. Mente Zen, mente de principiante. São Paulo: Palas Athena, 1994.


TRINH, M. P.; Castillo, E. A. Practical wisdom as an adaptive algorithm for leadership: Integrating Eastern and Western perspectives to navigate complexity and uncertainty. Business Ethics, 29(S1), 45-64, 2020. https://doi.org/10.1111/beer.12299


TRUNGPA, C. As Quatro Nobres Verdades do Budismo e o Caminho da Libertação. São Paulo: Cultrix, 2013.



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